Vinculados às suas antigas alianças, os social-democratas europeus, com notável exceção dos portugueses, não entendem nada dessa nova América Latina, que ousa evocar o “socialismo do século XXI”, busca uma democracia “participativa”, engana-se às vezes, avança, recua, mas que, em matéria social, obtém avanços notáveis |
por Maurice Lemoine |
Em 15 de novembro de 2010, em uma reunião do conselho da Internacional Socialista (IS) que teve lugar na sede da OCDE − Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (uma organização muito liberal!), a primeira secretária do Partido Socialista Francês, Martine Aubry, no discurso de abertura, não escondeu sua alegria: “Quero saudar em particular nosso presidente, George Papandreou, e felicitá-lo pelos resultados das eleições locais na Grécia [com uma abstenção de 53%!]. Num contexto difícil, essa vitória vem recompensar uma coragem política que provoca admiração”. Sabemos o que aconteceu com o dirigente do Movimento Socialista Pan-Helênico (Pasok) e com a “austeridade justa” que ele tentou impor a seu país. Conhecemos também o destino reservado pelo povo a inúmeros outros membros eminentes da organização social-democrata, como Laurent Gbagbo, Zine al-Abidine ben Ali ou Hosni Mubarak, para citar só alguns. Em 7 de dezembro desse mesmo ano de 2010, em Bruxelas, num anfiteatro do Parlamento Europeu se reuniu, sem nenhuma publicidade, uma dezena de eurodeputados e de assistentes parlamentares que recolheram depoimentos de sindicalistas e defensores dos direitos humanos vindos da Colômbia. Os testemunhos são de dar frio na espinha: 39 sindicalistas e doze militantes do Polo Democrático Alternativo (PDA) haviam sido assassinados desde a chegada ao poder, quatro meses antes, de Juan Manuel Santos (que foi ministro da Defesa de seu predecessor, Álvaro Uribe). O social-democrata dinamarquês Ole Christensen trouxe uma informação complementar: em julho de 2010, juntamente com o trabalhista britânico Richard Howitt, também presente, ele acompanhou a organização Justice for Colombia num local tristemente célebre, La Macarena. Seu depoimento relata que mais de 2 mil pessoas foram assassinadas e enterradas em valas comuns no local, vítimas do Exército e dos paramilitares. Em sua opinião, “devemos dizer não ao Tratado de Livre Comércio [TLC] que a União Europeia (UE) está negociando com a Colômbia”. Uma única voz se levantará para defender Bogotá − a do representante do Partido Socialista Operário Espanhol (Psoe), Emilio Menéndez del Valle, que questiona: “O senhor acha que em três meses um governo pode resolver todos os problemas? Se um país inteiro votou maciçamente [55,59% de abstenção] em Santos, ele deve ser respeitado!”. Pertencentes a partidos que são membros da Internacional Socialista, esses três eurodeputados claramente não estão tocando a mesma música. Conselheiro da Esquerda Unida Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), o belga Paul-Émile Dupret declarou: “No grupo parlamentar deles [o Partido Socialista Europeu, PSE], Christensen e Howitt estão na contracorrente. Não tenho certeza de que uma maioria se pronunciaria contra a assinatura de um TLC. O presidente do grupo, o alemão Martin Schulz [Partido Social Democrata, SPD], é favorável ao tratado. O Psoe, ainda mais, incondicionalmente!”. Na verdade, a Internacional Socialista não se aventurava na América Latina, considerada por ela o quintal dos Estados Unidos. “Não me recordo de textos condenando a deposição de Jacobo Arbenz na Guatemala, em 1954”, afirma Antoine Blanca, na época membro da Secretaria de Relações Exteriores da Seção Francesa da Internacional Operária (Sfio). “Dez anos depois, quando pedi a palavra para denunciar a intervenção da Marinha norte-americana em Santo Domingo, Guy Mollet esbugalhou os olhos!” Sem voltar demais no tempo, lembramos que, fundado em 1933 por Salvador Allende, o Partido Socialista (PS) chileno recusou-se a se filiar à IS, criticando suas “posições conformistas no seio do sistema democrático burguês capitalista”.1 Já em 1959, a Revolução Cubana tinha colocado o anti-imperialismo no centro dos debates. Mas isso sem grandes consequências para a IS, que deu uma olhada interessada, mas ao mesmo tempo muito distante. Ditaduras na América Latina Foi com a deposição e a morte de Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, que teve início uma “solidariedade emocional e a descoberta de um mundo desconhecido” para os socialistas europeus, lembra Antoine Blanca. “Foi o primeiro desafio digno do nome, diante de Washington, para uma Internacional que até então fazia tudo para aparentar submissão à estratégia norte-americana e à Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte].” O apoio dos Estados Unidos às ditaduras constituiu, a partir daí, um ponto de discórdia maior entre toda uma geração social-democrata – Willy Brandt (Alemanha), Olof Palme (Suécia), François Mitterrand (França), Bruno Kreisky (Áustria), mas também Mario Soares (Portugal) ou Felipe González (Espanha) – e o aliado norte-americano. Os partidos reformistas latino-americanos, vítimas desses regimes autoritários, procuraram aliados entre os países desenvolvidos. Os contatos se multiplicaram. Uma primeira reunião formal aconteceu em 1976, em Caracas, a convite do presidente venezuelano Carlos Andrés Pérez e de seu partido, a Ação Democrática (AD). A 1a Conferência Regional da IS para a América Latina e o Caribe, em Santo Domingo, ocorreu em março de 1980 e marcou o início da atuação dessa corrente política na região. Entre as 29 organizações locais presentes nessa primeira conferência, figurava a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), da Nicarágua, admitida desde 1978, quando ainda lutava com armas para expulsar Anastasio Somoza. Fidel Castro foi convidado na condição de presidente em exercício do Movimento de Países Não Alinhados. E os europeus ficaram com medo: a presença de partidos “irmãos” no seio da Frente Democrática Revolucionária (FDR), em El Salvador; da Frente Democrática contra a Repressão (FDCR), na Guatemala; e de organizações que comportavam um braço político e uma ala insurgida os levaram a apoiar, de fato, a luta armada. Na França, com a eleição de Mitterrand em 1981 e sob a influência de Lionel Jospin, Régis Debray (encarregado de missão na Presidência da República) e Antoine Blanca (que seria nomeado em 1982 embaixador itinerante na América Latina), Paris desafiou os Estados Unidos em uma região muito sensível para eles. Em 28 de agosto de 1981, a declaração franco-mexicana sobre a representatividade da oposição salvadorenha – incluindo seu braço armado −2 teve um impacto considerável. Mitterrand não escondia sua simpatia pelos sandinistas; as relações com Cuba iam bem. “Em nome da IS e pelas costas de Washington”, jubila-se Blanca, “consegui dar uns ‘golpes’, como impedir uma briga entre a Costa Rica e a Nicarágua!” Apesar da irritação de Ronald Reagan, as teses da Internacional, ou seja, a resolução política dos conflitos armados, prevaleceram. O presidente da Costa Rica, Oscar Arias, propôs o plano de paz para a América Central, que lhe rendeu o Prêmio Nobel em 1987. O antigo guerrilheiro Miguel Ángel Sandoval, membro da comissão político-diplomática da União Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG), se lembra: “Nosso movimento sempre viu na IS um espaço passível de servir a seus objetivos: a negociação e a busca pela paz. Nosso primeiro encontro com o governo e o Exército aconteceu em Madri, graças à mediação do Psoe. Mas sempre tivemos consciência das profundas diferenças que existiam então entre partidos como o sueco, o francês, o espanhol, e outros mais reformistas ou claramente de direita”. Desde Santo Domingo, fissuras foram aparecendo na IS. O Partido de Libertação Nacional (PLN, da Costa Rica), a AD (Venezuela) e o Partido Revolucionário Dominicano (PRD) se separaram dos europeus. Diferentemente destes últimos, eles não questionaram o capitalismo e se mostraram em diversos casos vigorosamente anticomunistas. “O próprio conceito de classe social é muito discutível na América Latina”, ousou dizer o dirigente da Esquerda Democrática (ID) equatoriana, Rodrigo Borja.3 Vagamente reformistas, eles utilizaram a IS para buscar ultrapassar a democracia cristã quando as ditaduras caíssem e porque, levando em conta o poder econômico dos países que governaram ou governariam em breve seus amigos do outro lado do Atlântico, calcularam as vantagens que poderiam tirar disso. No Comitê da IS para a América Latina e o Caribe (Siclac), criado em 1980, conviviam tanto o FSLN quanto a muito centrista União Cívica Radical (UCR) argentina; o PS chileno (retomado em 1996!), que cogovernava com a democracia cristã, e o Partido Revolucionário Institucional (PRI) mexicano, no poder havia setenta anos. Aí também se encontra o Partido Liberal (PL) colombiano, que introduziu o modelo neoliberal (1990-1994) e sob cujos governos foi exterminada a formação de esquerda União Patriótica (1986-1990).4 Pé direito e esquerdo Pouco importa. Multiplicando as adesões à Internacional, os socialistas do Velho Continente “estendem sua influência”. Como bons administradores moldados no quadro liberal e tentando melhorá-lo pelas beiradas, eles promovem os interesses dos grupos financeiros e do capital europeu. Na reunião do Conselho da IS em Buenos Aires, em junho de 1999, Felipe González declarou que “o socialismo democrático sempre aceitou o mercado que, de fato, anda junto com a democracia”.5 Se ele condenou “as desigualdades trágicas que existem no mundo”, o documento final da reunião exortava “a aproveitar a globalização” para eliminar o desemprego, a fome e a indigência.6 Passando despercebido (?), um curto parágrafo mencionava a preocupação da IS diante da “evolução do processo político na Venezuela e a política de confrontação permanente do governo com as autoridades estabelecidas”. O presidente Hugo Chávez estava no poder havia apenas seis meses. Enfim, comentou o brasileiro Leonel Brizola (Partido Democrático Trabalhista, PDT): o texto “é tão geral que pode servir tanto para o pé direito quanto para o pé esquerdo”.7 Os dirigentes dos partidos “latinos” membros da IS que chegaram ao poder nos anos 1980-1990 – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, México, Panamá, Venezuela etc. – tinham uma verdadeira política social: eles governaram para os bem vestidos e bem alimentados. Desregulamentando e privatizando a torto e a direito, em conluio com Washington, o Banco Mundial e o FMI, eles acabaram perdendo a credibilidade, ou até sendo destituídos. Oriundos de lutas ou levados por movimentos populares, novos líderes apareceram: Chávez (Venezuela), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador). Nos dias 19 e 20 de julho de 2002, o Siclac se reuniu em Caracas com os venezuelanos Rafael Ángel Marín, dirigente da AD, Antonio Ledezma (Aliança do Povo Bravo, ABP) e Miguel Henrique Otero, diretor do periódico El Nacional. Em níveis diversos, todos participaram da tentativa de golpe de Estado contra Chávez, no dia 11 de abril precedente. Ao final da reunião, o Siclac emitiu um comunicado anunciando que decidia “apoiar a Ação Democrática e a Coordenação Democrática na mobilização e na defesa do sistema democrático e de suas instituições” – ou seja, os putschistas! “A Internacional Socialista?” Ex-conselheiro da Embaixada da Bolívia em Paris, Alfonso Dorado fez uma careta ostensiva. “Paz Zamora foi o vice-presidente. Conta muito na memória coletiva...” Dirigindo o Movimento da Esquerda Revolucionária (MIR), este último fez um acordo em 1989 com o ex-ditador Hugo Banzer a fim de ascender à Presidência. Em 2002, para se opor ao forte crescimento de Morales e de seu Movimento para o Socialismo (MAS) – que não deve ser confundido com o partido venezuelano –, ele se aliou ao multimilionário Gonzalo Sánchez de Lozada, que, eleito, foi chutado para fora do poder por uma explosão social em outubro de 2003. O MAS boliviano não pertence à IS, assim como o Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv), a Aliança País de Correa, o FMLN salvadorenho, a URNG guatemalteca; aliás, ninguém os convidou. A Internacional só tem um sonho: conseguir a adesão do Partido dos Trabalhadores (PT) do poderoso Brasil e do ícone da esquerda latina, Lula da Silva. Mas o PT colocou seus ovos em outro cesto. Em 1990, com Fidel Castro, ele fundou o Fórum de São Paulo, que acolhe tanto os partidos moderados (também membros da IS) quanto os de formação forjada na luta armada, partidos comunistas (incluindo o cubano) e suas diferentes cisões. “Enfrentar o neoliberalismo na América Latina”, explica Valter Pomar, membro da direção nacional do PT, “exigia uma atitude aberta e plural, levando em conta tanto a crise atravessada pelo comunismo quanto a que atingia a social-democracia. Isso posto, mantemos boas relações com a IS...”. Mas de longe. Vinculados às suas antigas alianças, os social-democratas europeus, com notável exceção dos portugueses, não entendem nada dessa nova América Latina, que ousa evocar o “socialismo do século XXI”, busca a via de uma democracia “participativa”, engana-se às vezes, avança, recua, mas que, em matéria social, obtém avanços notáveis. No Parlamento Europeu, “onde há muitos anos os acordos de livre troca são o principal tema abordado, o grupo socialista, em sua maioria, não é muito progressista”, constata Dupret. De sua experiência na Embaixada da Bolívia, Dorado tira uma conclusão desabusada: “Tivemos contatos anedóticos com Ségolène Royal e Martine Aubry, mas o PS nunca manifestou um interesse particular em conhecer o que acontece em nosso país. Tentamos aprofundar a relação, sem resultado; nunca tivemos a oportunidade de conversar sobre o socialismo do século XXI ou sobre essa experiência de integração que é a Alba [Aliança Bolivariana das Américas]”.8 É verdade que esta última, de um ponto de vista neoliberal, está em contradição total com os interesses econômicos e geopolíticos tanto dos europeus quanto dos norte-americanos. Maurice Lemoine é jornalista ee autor de "Cinq Cubains à Miami ( Cinco cubanos em Miami)", Dom Quichotte, Paris , 2010. Ilustração: Rodrigo Leão 1 Declaração de princípio aprovada durante o segundo congresso do partido, em 1935. 2 O FDR-FMLN agrupa uma ala política, o FDR, dirigido pelo social-democrata Guillermo Ungo, e a guerrilha da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN). 3 Nueva Sociedad, n.48, Caracas, maio-jun. 1980. 4 Entre membros de “pleno direito”, “consultivos” e “observadores”, o Siclac conta atualmente com 39 partidos. 5 Página 12, 26 jun. 1999. 6 “Conseil de Buenos Aires: façonner le changement” [Conselho de Buenos Aires: moldar a mudança], site da Internacional Socialista, 25 e 26 jun. 1999. Disponível em: www.internationalesocialiste.org. 7 La Nación, Buenos Aires, 28 jun. 1999. 8 Cuba, Bolívia, Equador, Honduras (antes do golpe de Estado de 2009), Venezuela, São Vicente, Granadinas, Antígua e Barbuda. |
segunda-feira, 30 de julho de 2012
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