DEPOIMENTO A RAQUEL BOCATO
Francisco das Chagas Ribeiro Neto, 29, tinha um celular, uma bicicleta e
um emprego em que trabalhava até 19 horas por dia em Fortaleza (CE). Ao
participar do programa de desenvolvimento rural para jovens oferecido
pela Adel (Agência de Desenvolvimento Local),
conseguiu, em um ano, oferecer trabalho à mãe e ao irmão em uma cidade
do sertão do Estado, incentivar jovens a investir no campo e comprar uma
moto e um laptop. Leia, abaixo, o depoimento.
"Quando decidi morar em Pentecoste (CE), em 2010, eu não tinha nada --
ou quase nada. Levava só um celular, uma bicicleta e uma rede do meu
irmão.
Havia passado boa parte da minha infância em Fortaleza e fiquei lá até
2008, trabalhando na área têxtil. Comecei como auxiliar de produção e me
especializei em corte industrial.
A rotina era difícil. Eu entrava às 7h da manhã na fábrica e saía às 2h
da madrugada. Recebia R$ 700 por mês. Fiquei saturado com essa rotina.
Adel/Divulgação |
Francisco das Chagas Ribeiro Neto, 29, microempresário |
Pedi férias e fui para Quixeramobim [a 203 km de Fortaleza]. Mas o que era para ser um mês virou dois anos. Fiquei por lá.
Morava em uma fazenda e, com os filhos do dono, cuidava de uma horta. Eu
ficava na produção do coentro e do cheiro-verde; eles, na venda dos
produtos.
Em 2010, o pessoal da Adel fez uma palestra na cidade. Assisti e fiquei interessado, especialmente quando o Wagner (Gomes: vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro) em 2010 disse que era de Pentecoste-- uma cidade do interior do Ceará onde nasceram minha mãe, meus avós, os pais dos meus avós...
Ele me explicou sobre o programa de desenvolvimento rural para jovens e
imaginei que seria uma boa oportunidade de aprender e trabalhar. Minha
mãe, que morava em Fortaleza, tinha um terreno improdutivo em
Pentecoste. Perguntei a ela: 'Posso usar o terreno?'. Ela concordou e me
mudei.
DIFICULDADE
Foi o momento mais difícil. Não tinha renda e morava com a minha tia,
que recebia R$ 200 por mês. Fiquei um ano fazendo o curso da Adel.
Quando terminou, em setembro do ano passado, eu tinha um plano: montar o
sítio Carijó para criar galinha caipira.
Aqui, as pessoas não têm boa perspectiva sobre agricultura,
principalmente os jovens. O que imaginam sobre trabalho está em grandes
cidades. Quando falei com meus tios e amigos sobre o empreendimento,
eles diziam que não ia dar certo. Existe a imagem de que aqui não nasce
nada, não dá para criar.
Eu precisava de recursos e não consegui nada pelo governo, porque não
tinha os papéis necessários. Preparei um currículo e enviei para a
fábrica da cidade para me garantir [financeiramente] enquanto não
conseguisse empréstimo para começar.
Quando o Wagner soube, disse: 'Pelo amor de Deus, não faça um negócio
desse'. Ele estava planejando começar o Fundo Veredas, de microcrédito,
e, assim que conseguiu implementá-lo, em dezembro, me emprestou R$
6.500.
Montei um galpão e comprei um lote de cem galinhas caipiras em janeiro
deste ano. No mês seguinte, comprei mais 150. Em junho, mais 150. Hoje
estamos com 450, na capacidade máxima.
Foi emocionante quando vendi o primeiro lote. Nunca tinha tido uma renda
tão alta. Juntei o dinheiro dos dois primeiros meses e comprei uma moto
de segunda mão porque precisava fazer entregas.
Também comprei um laptop para registrar gastos e entradas de caixa. Conforme chegavam recursos das vendas, eu ia investindo.
Comprei 50 pintinhos de raça para a produção de ovos e quatro cabras
para leite. Investi ainda em apicultura. Mas, por causa da seca, ainda
não tive retorno com as abelhas.
Aliás, a seca fez crescer todos os preços por aqui. Inclusive o de
ração, que subiu 20%. Os contratos que fiz com o governo -- hoje, 80% da
produção vai para a merenda escolar -- não preveem esse aumento de
custos. Mas ainda tenho lucro. Vendo a outra parte da produção na feira.
Chamei minha mãe e meu irmão para morarem comigo. Eles estavam em
Fortaleza -- ela, trabalhando em serviços de casa; ele, no comércio.
Falei: 'Mãe, não tem futuro aí. Aqui tem trabalho, água encanada,
energia, TV'. Eles vieram e estamos morando na casa da minha avó até
construir a nossa.
MAIS INVESTIMENTO
Neste ano, o Wagner me falou do Prêmio Aliança de Empreendedorismo
Comunitário [realizado pela Aliança Empreendedora]. Fiz minha inscrição e
venci na categoria Jovem Empreendedor. Ganhei R$ 5.000. Com o prêmio,
vamos passar de 150 galinhas para 300 em cada galpão.
Preciso de pouco tempo para cuidar do sítio -- cerca de quatro horas por
dia. Consigo tirar R$ 1.070 por mês, já descontado o custo de produção.
Quando comecei a lucrar, as pessoas vieram me procurar. Minha tia e um
menino de outra comunidade decidiram produzir também. Com eles e outros
produtores, estamos montando uma associação. Vamos fazer compras juntos
para poder barganhar preço.
Se eu pudesse imaginar que eu teria o que eu tenho hoje -- ou, pelo
menos, a perspectiva de crescer que eu tenho hoje --, eu teria vindo
antes [para Pentecoste]. No meu último trabalho na indústria têxtil, a
dona da empresa falou: 'Meu filho, você precisa se encontrar'. Eu me
encontrei aqui."
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