A
Guerra do Fogo (La Guerre du feu, 81, FRA/CAN)
Dir.: Jean-Jacques Annaud. Com: Everett McGill, Rae Dawn Chong, Ron Perlman, Nameer El Kadi.
Dir.: Jean-Jacques Annaud. Com: Everett McGill, Rae Dawn Chong, Ron Perlman, Nameer El Kadi.
por
Rodrigo Cunha
Um
dos temas que envolvem a discussão sobre a naturalidade da
linguagem falada é o que versa sobre a sua origem. O filme
A Guerra do Fogo, de Jean-Jacques Annaud, é uma interessante
especulação a esse respeito, e ajuda a refletir sobre
a questão.
O
filme trata de dois grupos de hominídios pré-históricos:
um que cultuava o fogo como algo sobrenatural e outro que dominava
a tecnologia de fazer o fogo. Em termos de linguagem, o primeiro
não está muito longe dos demais primatas, emitindo
gritos e grunhidos quase na totalidade vocálicos. Esse tipo
de comunicação assemelha-se ao que Rousseau considera,
em seu Ensaio sobre a origem das línguas, como a primeira
manifestação de linguagem no homem, que é a
expressão de suas paixões, como a dor e o prazer.
Já o segundo grupo parece ter uma comunicação
mais complexa, com maior número de sons articulados. Há
outros elementos culturais, como habitações e ritos,
que denotam um maior grau de complexidade do segundo grupo com relação
ao primeiro.No que concerne apenas à questão da linguagem, uma possível interpretação seria a seguinte: em um determinado estágio de sua evolução biológica, o homem, já se locomovendo como bípede e tendo suas mãos livres, aprendeu a manipular instrumentos, a interferir no seu meio e a fazer, dentre outras coisas, o fogo. A necessidade de preservação desse conhecimento, dessa tecnologia, levou-o a sofisticar a sua capacidade de comunicação. A princípio, sua linguagem pode ter sido meramente gestual, mas ele descobriu que os sons também poderiam se prestar a essa função.
Assim como, ao tornar-se Homo Erectus viu-se com as mãos livres (antes usadas principalmente na locomoção) e descobriu que poderia usá-las para manipular as coisas; assim como, ao tornar-se Homo Sapiens descobriu que poderia usar essa capacidade de manipulação para interferir no seu meio; da mesma forma, descobriu que os órgãos utilizados para funções vitais como a respiração e a digestão, também serviam para emitir sons. A partir do momento em que aprendeu a diversificar os sons através das articulações, conseguiu aumentar as possibilidades de combinação entre eles. Uma vez estabelecidas determinadas convenções entre os seus semelhantes, possibilitou-se a troca de informações (como a tecnologia de fazer o fogo) de um indivíduo para o outro.
A
sofisticação da linguagem serviu para facilitar a
comunicação de uma informação complexa,
talvez não expressável meramente pelo gesto. Portanto,
como diria o pai da Linguística Moderna, Ferdinand de Saussure,
"não é a linguagem que é natural ao homem,
mas a faculdade de construir uma língua, vale dizer: um sistema
de signos distintos correspondentes a idéias distintas".As divagações acima são apenas leituras possíveis do interessante filme de Annaud. E os indícios lingüisticos (a distinção entre a linguagem de uma tribo e de outra) foram pensados pelo foneticista Anthony Burgess, que assina o roteiro. Burgess ficou conhecido pelo livro Laranja Mecância, que foi adaptado para o cinema por Stanley Kubrick.
A Guerra do Fogo, com roteiro de Burgess e direção de Annaud, pode ser monótono e cansativo para quem não tem curiosidade pelo tema. Mas aqueles que se interessam não só pela origem da linguagem, mas pelas raízes da espécie humana e pelo florescer da razão e das tecnologias, irá apreciar o filme.

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