Os críticos da globalização devem estar contentes.
Escalada internacional do protecionismo comercial. Descaminhos da Primavera Árabe --cruelmente exemplificados pelo recente assassinato do embaixador dos EUA na Líbia. Desalento com a recuperação da economia mundial. Fenômenos a apontar que a globalização perde terreno. Há vários vetores desglobalizantes em operação.
Globalização é conceito maior do que contínuos avanços tecnológicos nos transportes e nas comunicações. Nós a identificamos como comércio e investimento internacionais crescentes. Melhor coordenação macroeconômica. Circulação mais livre de bens, capitais e pessoas. Formas comuns de ver e sentir o mundo. Todas essas frentes estão em xeque.
Está em xeque sobretudo a globalização dos valores, aquela ideia dos anos 1990 de que democracia representativa e economia de mercado eram os melhores parâmetros para a organização da sociedade.
Num curto-circuito histórico de duas décadas, vemos como o mundo mudou. Em 1992, o cenário global parametrizava-se pelos seguintes pressupostos:
1) A extinção da União Soviética e o subsequente "fim da história", concebido por Francis Fukuyama, levariam a uma era de conjunção entre democracia e livre mercado;
2) Acabada de vez a Guerra Fria, os EUA eram alçados à condição de "hiperpotência";
3) A ascensão econômica da Ásia tinha o Japão à frente;
4) O mundo se reorientava em torno de blocos econômicos regionais, sendo a integração europeia o caso paradigmático.
Ora, em 2012, estes parâmetros se alteraram para um cenário em que observamos:
1) Conflitos e tensões "multiplataformas" (terrorismo, crítica intra-Ocidente à ordem liberal, ciber-vandalismo). Em vez do "fim da história", a emergência de "poli-histórias";
2) Os EUA em crise existencial pela grande recessão de 2008 e o pesado legado da Guerra ao Terror e das custosas incursões no Iraque e Afeganistão;
3) A ascensão da Ásia liderada pela China;
4) O estancamento das dinâmicas de integração regional e o ressurgimento do Estado-nação como protagonista.
Ou seja, em 20 anos deixamos a "globalização intensa" em direção a um "risco de desglobalização".
Cesar Habert Paciornik | ||
Neste quadro, ressurgem as relações "internacionais" (aqui entendidas como relações entre nações). Quando o conflito bipolar se encerrou na virada dos anos 1980 para 1990, o período global que se seguiu foi tão indefinido que analistas o chamaram de "pós-Guerra Fria".
Hoje, com a retração de forças sinérgicas e cooperativas, a "pós-globalização" distingue-se pela ausência de uma "bússola de valores" de como o mundo deve se reorganizar. E um renascimento não dos nacionalismos, mas dos individualismos nacionais.
A volta do Estado-nação ao centro do palco sublinha a importância dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) no reordenamento global. No entanto, a tendência é que os BRICs continuem como voz crítica à inadequação e atraso de algumas instituições multilaterais, sem necessariamente se constituírem grande força em prol de sua reforma.
China e a Rússia são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Esses países não querem ver seu status diminuído em termos relativos com a entrada do Brasil e da Índia. A China deseja uma ou outra reforma, mas não a reinvenção por ela liderada da governança global. Pelo contrário, a prioridade chinesa é a continuada superação de seus imensos desafios internos.
Como nenhuma crise é para sempre, ainda que leve alguns anos, o ciclo de reajustes nos EUA e na Europa se concluirá. O mundo poderá ingressar numa "neoglobalização" ainda mais permeada por tecnologias.
O grande desafio brasileiro neste cenário instável reside em delimitar o que seja seu próprio interesse. Definir projeto de poder, prosperidade e prestígio. Saber não apenas o que quer para o mundo, mas sobretudo o que quer do mundo.
MARCOS TROYJO, 45, economista e cientista social, é professor da faculdade Ibmec e diretor do BRICLab na Universidade Columbia
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